
O Brasil desperdiça, todos os dias, um volume de água tratada equivalente a 6.346 piscinas olímpicas — número que escancara a dimensão de um problema estrutural e persistente no saneamento básico. O dado integra o mais recente levantamento (2025) do Instituto Trata Brasil, realizado em parceria com a consultoria GO Associados, especializada em infraestrutura e saneamento. Em um ano, as perdas somaram 5,8 bilhões de metros cúbicos, quantidade capaz de abastecer aproximadamente 50 milhões de pessoas. Estudos apontam que o uso de tecnologia pode ajudar a monitorar a distribuição de água e apontar pontos de perda.
Além de representar prejuízo econômico e risco de desabastecimento, esse desperdício pressiona ainda mais os recursos hídricos em um contexto de eventos extremos, secas recorrentes e mudanças climáticas. Mas por que o País perde tanta água antes mesmo de ela chegar às torneiras — e o que a engenharia tem a oferecer para enfrentar o problema?
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Segundo a professora Maria Mercedes Gamboa Medina, do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, o primeiro desafio está na própria capacidade de medir as perdas. “O problema começa em saber quanta perda de água tem, porque se cada um soubesse para onde vai cada litro de água que sai das suas fontes, não deixava acontecer”, afirma. Na prática, a quantificação ocorre por meio da diferença entre o volume que sai dos reservatórios e o consumo registrado pelos hidrômetros. “Essa medição representa tanto o volume de água que de fato é perdido — que sai, por exemplo, através de vazamentos e fica infiltrando no solo até causar problemas estruturais — quanto outro volume que é realmente água consumida mas não fica registrada nos hidrômetros, seja por fraudes ou por deficiências na medição. Os valores comentados são estimativas para a combinação dos dois tipos de problemas”, explica. |
Modelagem computacional para identificar perdas
Maria destaca que tecnologias de monitoramento e modelagem têm papel decisivo na redução de perdas. “A apresentação desses sistemas ajuda muito a compreender o que se passa e também em como fazer uma melhor gestão, por exemplo, na redução das perdas e na identificação de quando acontecem novas perdas também.”
Com modelos computacionais, variáveis como pressão, níveis de reservatórios, ativação de bombas e outros indicadores podem ser simulados e analisados matematicamente. “Dessa forma teremos como agir rapidamente e evitar um desperdício maior de água.”
Vazamentos invisíveis
A pesquisadora atua no Laboratório de Simulação Numérica (LabSiN), do Departamento de Hidráulica e Saneamento da EESC, onde se desenvolvem metodologias específicas para detecção de vazamentos — especialmente aqueles que não aparecem na superfície. “Os vazamentos maiores que estouram no asfalto podem ser notificados facilmente e tratados rapidamente. Mas os vazamentos que não são aparentes podem representar um volume muito maior de perda ao longo do tempo e são mais difíceis de detectar.”
Por isso, a equipe busca novas formas de analisar os dados coletados na rede. “Tentamos propor novas formas de interpretar os sinais de pressão coletados com sensores espalhados na rede, utilizando análise estatística e algoritmos capazes de identificar quando o comportamento do sistema foge do padrão. Quando um alarme é ativado é um indicativo de que as equipes de campo devem investigar o que ocorreu e corrigir o problema rapidamente.”
Pesquisa colaborativa
As investigações do grupo dialogam diretamente com a tese de doutorado Detecção de vazamentos e alterações em redes de distribuição de água para abastecimento, durante a operação, usando sinais de pressão, desenvolvida pela professora em 2017. No trabalho, Maria propõe metodologias que permitem identificar anomalias hidráulicas em tempo real a partir da análise de variações de pressão ao longo da rede, possibilitando detectar vazamentos não visíveis e mudanças operacionais antes que causem grandes perdas. O estudo também demonstra como sistemas de monitoramento contínuo e algoritmos de reconhecimento de padrões podem auxiliar companhias de saneamento a compreender o comportamento das redes, antecipar falhas e reduzir significativamente o desperdício.
Por Joyce Pezzato, estagiária sob supervisão de Ferraz Junior e Gabriel Soares | Jornal da USP

