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Pesquisadores classificam Plano de Transição Energética Justa como incoerente

09 de maio de 2025


Pesquisadores investigaram regulação a partir dos pilares da justiça energética: distribuição, procedimento, reconhecimento, restauração e cosmopolitismo - Foto: torstensimon/Pixabay

Em maio de 2022, o Ceará tornou-se o segundo Estado do Brasil a lançar um Plano de Transição Energética Justa (PETEJ)— o primeiro foi Santa Catarina, em janeiro do mesmo ano. O projeto busca substituir fontes poluentes por alternativas limpas e renováveis, como a energia eólica ou solar, e propõe que os benefícios e impactos da produção e uso de energia sejam distribuídos de maneira justa, com a participação e reconhecimento das comunidades afetadas.

Pesquisadores das Universidades Federais do Ceará (UFC) e da Paraíba (UFPB), e da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP investigaram essa regulação a partir dos pilares da justiça energética (distribuição, procedimento, reconhecimento, restauração e cosmopolitismo), no contexto da transição energética global. Um artigo sobre o estudo foi publicado na Energy Research & Social Science. 

A avaliação geral do plano alcançou um desempenho de apenas 0,28 em uma escala que vai de -5 a 5 — um resultado que classifica o plano como incoerente. Os cientistas notaram que, apesar do projeto apresentar metas como redução de pobreza e inclusão no setor de energias renováveis, faltam medidas concretas como métricas, incentivos e integração com outras políticas públicas, particularmente em regiões que enfrentam desafios socioeconômicos e ambientais significativos.


A professora Flavia Mendes de Almeida Collaço, uma das autoras do artigo e docente do Departamento de Hidráulica e Saneamento, afirma que o Ceará é um objeto de estudo interessante para avaliar a justiça energética: o Estado concentra um enorme potencial de energia limpa  — tanto solar, quanto eólica. As fontes instaladas geram 3,8 GW e abastecem 6 milhões de residências mensalmente. Mas a capacidade total pode chegar a 646 GW; ou seja, o equivalente à geração de energia para 1 bilhão de casas, o que supera em muito a população do Brasil.

Por outro lado, o Estado enfrenta altos níveis de pobreza energética  — são cerca de 37 mil pessoas sem acesso à eletricidade no Ceará e aproximadamente 147 mil têm fornecimento de energia elétrica precário. A falta de fonte de energias seguras, confiáveis e acessíveis – em um Estado com um potencial tão grande – é uma questão urgente de justiça energética em todo o Brasil.

A avaliação

Ao longo das últimas décadas, o Ceará vem atraindo a atenção de cientistas, empresários e políticos interessados nos planos de transição energética. É esperado que, em um período de cinco a dez anos, o Estado receba mais de metade dos investimentos no País para hidrogênio verde.

Os pesquisadores identificaram diferentes casos de injustiças energéticas no Estado: contratos e negociações injustas sobre o uso da terra, restrição na mobilidade de residentes locais, risco de eletrocussão nas proximidades dos projetos, entre outras. Em seguida, eles verificaram se a política proposta pelo Plano Estadual de Transição Energética Justa do Ceará traria instrumentos para resolver as disparidades documentadas.

“A nossa contribuição foi pegar a lente teórica (dos princípios da justiça energética) e olhar para o território, ver se a política tem coerência interna e se ela é capaz de lidar com todas essas injustiças”, explica Flavia.

Os pesquisadores criaram uma gradação de três pontos para cada relação entre problema e política identificada: 1 ponto para os casos em que o plano apresenta um instrumento que alivia a injustiça apresentada; zero para os casos em que nenhum instrumento foi criado para a resolução; e -1 para quando o instrumento apresentado contribui para piorar a situação de injustiça energética. Cada caso foi agrupado dentro de uma das cinco dimensões, e por isso, a avaliação geral é graduada em uma escala de -5 a 5.

O que esses pilares significam?

Os cinco pilares da justiça energética já são consolidados dentro da literatura científica. A dimensão distributiva diz respeito ao compartilhamento de benefícios ou ônus da efetivação dessas políticas. A processual coloca em foco a formulação, implementação e monitoramento do que é proposto.  O terceiro pilar, o de reconhecimento, avalia se na aplicação do plano os formuladores estão olhando para quem ocupa aquele território e se reconhece as identidades culturais e os direitos dessa comunidade. 

A dimensão cosmopolita investiga a relação entre as ações locais e os objetivos globais. Por fim, a restaurativa diz respeito à reparação de danos sociais e ambientais que podem ser causados pela implementação do novo plano de energia.

Dimensões da justiça


A dimensão procedimental do plano foi avaliada como uma que pode piorar as injustiças já existentes - Gráfico: extraído do artigo

Justiça energética

As mudanças climáticas são um consenso científico e já existem vários debates entre a sociedade civil e os formuladores de políticas a respeito do tema. Para os pesquisadores, é preciso ir além: a injustiça climática também precisa ser investigada. 

Flavia comenta que, em algumas sociedades, há uma exposição desproporcional aos impactos das mudanças climáticas: algumas pessoas sofrem muito mais com as consequências dessa crise do que outras. Além disso, de maneira geral, esses mesmos grupos mais vulneráveis são os que têm menor responsabilidade pela crise. “Existe uma desigualdade tanto na exposição aos efeitos, quanto na responsabilidade”, diz a cientista.

Um exemplo de injustiça comum nos processos de transição energética é a aplicação de usinas eólicas ou fotovoltaicas em áreas já habitadas por populações vulneráveis. Para evitar esse tipo de ocorrência o artigo apresenta sugestões que ajudam o plano a ser mais coerente com a sua proposta.

Entre elas, os pesquisadores apontam a participação comunitária inclusiva, garantindo que as comunidades locais influenciem na tomada de decisões sobre uso da terra; compensações financeiras e incentivos para as pessoas afetadas e a criação de mecanismos de monitoramento para garantir que a energia gerada alcance a todos igualmente.

O artigo Justice or just plans? Reviewing the energy transition strategy of Brazil’s Ceará state é uma parceria entre Emilia Davi Mendes, Rárisson Jardiel Santos Sampaio e Flavia Collaço, está disponível on-line e pode ser lido aqui.

Mais informações: flavia.collaco@usp.br, com Flavia Colaço.


Por: Jornal da USP
Texto: Beatriz La Corte*
Arte: Simone Gomes

*estagiária sob supervisão de Fabiana Mariz