Muitas pessoas nem imaginam, mas a engenharia, tão conhecida por suas soluções nos setores elétrico, automotivo e civil também está presente em recursos diretamente relacionados à saúde, como na produção de implantes, em terapias de reabilitação, na neurocirugia e até no design de interior de uma ambulância. Esses, inclusive, são alguns dos projetos em desenvolvimento pelo Centro de Engenharia Aplicada à Saúde (CEAS), da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP).
No Laboratório de Desenvolvimento de Próteses Personalizadas para Reabilitação Buco-Maxilofacial, Neurocirurgia e Ortopedia, por exemplo, os pesquisadores aproveitam o desenvolvimento de tecnologias de impressão 3D para produzir implantes anatômicos e específicos do paciente e dispositivos customizados que podem ser projetados com alta capacidade de ajuste e complexidade, abrindo assim novos horizontes no cuidado personalizado à pacientes e pesquisa biomédica. Com materiais biocompatíveis, eles estudam e produzem implantes e próteses personalizadas com o auxílio de simulações computacionais para defeitos ósseos, de modo que garantam propriedades mecânicas adequadas (em relação ao osso) e propriedades osteoindutoras, favorecendo a regeneração óssea na área afetada, o que também ajuda a reduzir o tempo cirúrgico e garantir maior previsibilidade de resultados.
Em outra frente de estudos, pesquisadores do CEAS avaliam o uso da Terapia Robótica para a Reabilitação Neurológica, com ênfase na Articulação do Tornozelo. Esse tipo de terapia vem sendo recomendado para complementar a terapia convencional dos indivíduos pós-AVC e possui algumas vantagens, como a assistência controlável durante os movimentos, a boa dinâmica na terapia em razão da repetitividade de tarefas, além da maior motivação durante o treinamento através do uso de jogos interativos e a redução de custos nos cuidados à saúde.
No projeto em questão, os estudos com dispositivo robótico de tornozelo (exoesqueleto Anklebot®) têm sido realizados com o propósito de avaliar o desempenho neuromuscular e funcional de indivíduos hemiparéticos crônicos, de modo a facilitar os movimentos do tornozelo e reduzir as limitações pós-AVC.
Para além da reabilitação neuromuscular, a reabilitação cognitiva também está no escopo dos projetos em desenvolvimento dentro do CEAS da EESC. No Laboratório de Engenharia Cognitiva, os pesquisadores estão construindo uma plataforma open-source para a modelagem cognitiva do cérebro, oferecendo suporte para futura reabilitação cognitiva. A ideia é compreender de maneira multinível sua estrutura e função, através do desenvolvimento e uso de informações e tecnologias de comunicação.
Engenharia até dentro de ambulância
Dentro do Centro de Engenharia Aplicada à Saúde da EESC, um dos projetos que também gera grande curiosidade é o Design Conceito do Interior de uma Ambulância através da Orientação à Funcionalidade e a Ergonomia. Afinal, quem imaginaria que existe aplicação da engenharia até mesmo dentro de uma ambulância?
O projeto tem relação direta com a qualidade de vida dos profissionais de saúde que atuam nesse tipo de veículo. A falta de fatores ergonômicos positivos para os operadores de ambulância pode levar problemas à postura, vibração excessiva do corpo e problemas psicossociais.
No Brasil, há muitos casos de exposição de profissionais a riscos ergonômicos, biológicos químicos e de lesões traumáticas. Pensando nesses problemas, este projeto de pesquisa propõe uma reformulação da estrutura funcional do interior de uma ambulância, mudando suas características conceituais, de desenho e ergonomia para que pacientes e trabalhadores sofram menos com problemas músculo–esqueléticos. É mais um exemplo de como a engenharia pode contribuir de maneira direta e relevante na saúde, nos mais diferentes aspectos.
O nascimento do CEAS
Toda essa contribuição da EESC para a saúde começou há muitos anos. Especificamente, em 1977, quando Luiz Romariz Duarte, professor do Departamento de Engenharia de Materiais da EESC-USP defendia sua tese de livre-docência “Estimulação Ultra-Sônica do Calo Ósseo”, fruto de anos de trabalho com ortopedistas da Santa Casa de Misericórdia de São Carlos e de estudos com animais que se mostraram bem sucedidos.
Com o uso dessa tecnologia de estimulação, Duarte evidenciou uma alternativa para regeneração óssea e tratamento de fraturas que se mostrou efetiva em fraturas recentes, em fraturas com atraso na formação óssea (retardos de consolidação) e em fraturas com não formação óssea por um longo período, denominadas pelos ortopedistas de fraturas com não-união óssea (pseudoartroses). Nos anos seguintes, sua tese evoluiu, sendo usada clinicamente no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) e no Hospital das Damas em Osasco, no decorrer dos anos 80, com repercussão internacional. O estudo acabou se transformando mundialmente em recurso de tratamento de fraturas com autorização para uso clínico nos EUA em 1994, pela agência Food and Drug Administration (FDA) e em 2001 no Brasil, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Hoje, a tecnologia chamada de LIPUS (Low Intensity Pulsed Ultrasound) está disponível clinicamente e comercialmente em vários países desenvolvidos, como os EUA, Canadá, França, Alemanha, Irlanda, Itália e Reino Unido. A disponibilidade no Brasil depende de uma empresa que se interesse em sua representação comercial.
Esse importante estudo representou, dentro da EESC, o nascimento da linha de pesquisa de engenharia aplicada a saúde, que resultou na criação do Programa de Pós-Graduação Interunidades Bioengenharia USP (EESC | FMRP | IQSC). Pouco tempo depois, no início da década de 1980, dentro do Departamento de Engenharia de Materiais da EESC-USP, o passo seguinte foi a criação do Laboratório de Bioengenharia. O objetivo era fornecer suporte para a realização de trabalhos científicos experimentais com a aplicação de conceitos de engenharia para o tratamento de problemas médicos. Para isso, o laboratório dispunha de uma pequena instalação para alojamento e manutenção de animais de laboratório, bem como uma pequena área destinada a realização de pequenas cirurgias experimentais com animais. Logo a produção científica ali se expandiu, o que demandou a mudança das instalações do laboratório, passando a ocupar prédio próprio.
Em 2003, o Laboratório de Bioengenharia deu um novo salto, quando o Prof. Dr. Francisco Antonio Rocco Lahr, então diretor da EESC, determinou que o mesmo passasse a ser um setor da diretoria, dedicado a oferecer apoio técnico a projetos da EESC na área de engenharia biomédica.
Pouco mais tarde, em março de 2012, os professores José Marcos Alves, João Manuel Domingos de Almeida Rollo e o pesquisador Orivaldo Lopes da Silva, com o apoio do Prof. Dr. Geraldo Roberto Martins da Costa, diretor da EESC na época, contataram os demais pesquisadores da área da EESC com o objetivo de discutir a criação de um centro de pesquisas na área de engenharia biomédica. Dessa forma, 19 membros da EESC foram signatários de uma proposta à direção da Escola de Engenharia da criação de um Centro de Engenharia Biomédica, com uma forma de administração baseada na metodologia de gestão de projetos de pesquisa. Em 9 de novembro de 2012, após publicação de portaria, nascia oficialmente o Centro de Engenharia Aplicada à Saúde (CEAS). Os primeiros diretores foram os professores Jonas de Carvalho (Eng. Mecânica) e Lauralice do Campos Franceschini Canale (Eng. Materiais e Manufatura). O atual diretor é o Prof. Adriano Almeida Gonçalves Siqueira (Eng. Mecânica).
“O CEAS conta com uma área de cerca de 600 m2, com um ambiente adequado de articulação interdisciplinar entre a engenharia e as ciências da vida, basicamente em quatro setores: hospedagem adequada de animais de laboratório; ambiente cirúrgico experimental adequado para cirurgias com animais de laboratório (dispositivos que requeiram implantação); ambiente adequado para exposição de seres vivos a equipamentos e procedimentos sob condições controladas; parque de equipamentos científicos que utilizam de forma integrada técnicas de engenharia e de saúde”, destaca Orivaldo Lopes da Silva, coordenador de Projetos de Pesquisa do CEAS da EESC-USP.
“Toda essa estrutura permite o desenvolvimento de projetos como esses acima relacionados, de modo que a engenharia dê sua parcela de contribuição também no aspecto da saúde para a sociedade, com novas tecnologias, novos recursos e com todo seu potencial de transformar conhecimento produzido na universidade em oportunidades de melhora na qualidade de vida”, conclui Silva.
Por Denis Dana, para a Assessoria de Comunicação da EESC