COMUNICADOS

Uso industrial da nanocelulose impulsiona estudos ao redor do mundo

08/08/2023

Nanocristais de celulose extraídos da palha da cana-de-açúcar, um dos estudos que fazem parte do IV Workshop Brasileiro de Nanocelulose. (Crédito: Joana Silva - Embrapa)

É o que demonstra estudos contemplados no IV Workshop Brasileiro de Nanocelulose que será realizado entre quarta (9) e sexta-feira (11), na Embrapa Instrumentação (São Carlos/SP). A relevância deste nanomaterial, cobiçado mundialmente tanto pela indústria como pela academia, motivou a participação de trabalhos científicos de mais 250 instituições, de pelo menos três continentes. Especialistas de centros de pesquisas do Canadá, França, Finlândia, entre outros, estarão reunidos para discutir os avanços e desafios da aplicação industrial da nanocelulose durante os três dias de eventos.

O objetivo é promover a integração entre a comunidade acadêmica e industrial atuante em pesquisa, desenvolvimento e inovação na área de nanocelulose. O evento é coorganizado pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade de São Paulo (USP) e Embrapa Instrumentação, que atua no tema desde 2007.

O professor Caio Otoni, da UFSCar, um dos organizadores do workshop, adianta que uma das novidades desta edição é a realização da sessão “Meet the Editors", que permitirá aos participantes interagir com editores das principais revistas científicas da área, como a Cellulose, publicada pela Springer Nature, e a Royal Society of Chemistry, responsável pela publicação de diversos periódicos.

Aplicação

A nanocelulose vem atraindo atenção do mundo todo por sua versatilidade de uso e uma combinação única de propriedades físicas, químicas e biológicas. Semelhante a grãos de arroz, no formato de nanocristais, mas 200 mil vezes menor, o material, ao ser adicionado, contribui para propriedades com excelente resistência mecânica, sem prejudicar a leveza e a biodegradabilidade.

O campo de aplicação é vasto, pode incluir o mercado de cimento e compósitos, têxteis e não tecidos, papel e embalagens, produtos alimentícios, cosméticos e produtos de higiene pessoal, materiais de filtros, entre outros.

Por tamanha diversidade, o mercado global de nanocelulose é projetado por empresas de consultorias internacionais em US$ 2 bilhões até 2030. A Europa se destaca como o maior mercado de nanocelulose e também o de mais rápido crescimento.

Pesquisas em muitos dos campos nos quais a nanocelulose pode ser aplicada poderão ser conferidas no IV Workshop Brasileiro de Nanocelulose. Dos 150 inscritos, 86 vão publicar trabalhos que estão sendo desenvolvidos por quase 260 instituições do Brasil e do exterior. Pelo menos 50 destes trabalhos serão apresentados na forma de pitch – apresentação curta - por estudantes e pesquisadores.

A pesquisadora Henriette Azeredo, coordenadora do evento por parte da Embrapa Instrumentação, diz que um dos trabalhos contemplados aborda o uso de nanomateriais de celulose de palha de cana-de-açúcar para agregar valor a diferentes aplicações.

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima a safra 20022/2023 em quase 600 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, o que pode gerar uma quantidade significativa de subprodutos, como a palha da cana que tem alto teor de celulose. A conversão da palha em nanocelulose pode ser uma alternativa promissora para agregar valor a esse fluxo secundário. O estudo está sendo desenvolvido em parceria entre a Embrapa Instrumentação e a UFSCar.

Diversidade

Além dos trabalhos de estudantes de diversos níveis de escolaridade, palestrantes de cinco instituições brasileiras vão abordar temas que envolvem pesquisa, produção e aplicações de nanocelulose em diferentes campos.

O professor André R. Fajardo, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Rio Grande do Sul, vai falar de celulose e outros polissacarídeos como plataforma versátil para design de materiais, enquanto a professora Rosiane Cunha da Unicamp (Campinas – SP), vai discutir a modulação da digestão pela aplicação de nanocelulose para estabilizar emulsões de Pickering.

A produção e aplicações de nanofibrilas de celulose em diferentes contextos ficarão com o professor Gustavo Henrique Denzin Tonoli, da Universidade Federal de Lavras (Lavras – MG). O professor Holmer Savastano Jr, da Universidade de São Paulo (USP), vai abordar os desafios e conquistas de nanofibras lignocelulósicas em materiais cimentícios.

Já a professora Juliana Bernardes, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP) pretende contar como a lignina adere à celulose baseando-se em evidências experimentais e de aprendizado de máquina e simulações de dinâmica molecular.

As contribuições internacionais vão ficar por conta de palestrantes de instituições de três países: o Canadá, a Finlândia e a França. O professor Orlando Rojas, do Instituto de Bioprodutos, da Universidade da Columbia Britânica (UBC), em Vancouver, Canadá, vai apresentar estudos de caso sobre o nexo entre nanocelulose, água e energia.

A aplicação da nanocelulose como adesivo estrutural em materiais e sistemas superestruturados será abordada pelo pesquisador Bruno D. Mattos, da Universidade Aalto, Finlândia.

Já a professora Tatiana Budtova, da Universidade Mines ParisTech, associada ao Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês), na França, vai traçar um panorama da estrutura, propriedades e aplicações dos aerogéis de celulose II, incluindo uma discussão dos problemas atuais e perspectivas.

O professor Michael KC Tam, do Instituto de Nanotecnologia da Universidade de Waterloo, no Canadá, vai abordar as estratégias de funcionalização dos nanocristais de celulose (CNC) para conferir propriedades atrativas críticas nas aplicações. Além disso, vai exemplificar as várias inovações derivadas da transformação de nanomateriais sustentáveis em plataformas que atendem a alguns dos requisitos e desafios do mercado. Os exemplos incluem tratamento de águas residuais, sistema antimicrobiano, tintas e cargas condutoras, agricultura e coleta de água.

Origem

A celulose é uma molécula presente em vários organismos, predominantemente em plantas, e sua forma nanoestruturada pode se dar em nanofibrilas (CNFs) ou nanocristais (CNCs).

As CNFs têm forma de espaguete, mais flexíveis, enquanto os CNCs são similares a grãos de arroz e de estrutura mais cristalina de escala nanométrica. Ambas podem ser isoladas de qualquer fibra vegetal. Entre elas estão cascas de coco e de arroz, algodão, eucalipto, e até de resíduos como madeira de reflorestamento descartada pela indústria.

Para o professor Antonio José Félix de Carvalho, da Escola de Engenharia de São Carlos/USP, um dos coordenadores do evento, a celulose no formato nanofibrilada está em evidência e já é produzida por diversas empresas em escala piloto.

“Esse material tem grande potencial para aplicações diversas na substituição de diversos materiais convencionais tais como os plásticos sintéticos e pesquisas têm sido realizadas em diversas áreas, desde eletrônica, passando por embalagens e aplicação na indústria automobilística, entre outras”, afirma.

Segundo ele, a produção anual global de biomassa supera os estoques comprovados de petróleo, devendo ser considerado estratégico o desenvolvimento de novos materiais a partir da celulose. O professor lembra que o Brasil é o maior produtor mundial de celulose de eucalipto e ainda dispõe de um grande estoque de celulose que não é aproveitada da cana-de-açúcar, cuja indústria é também uma das maiores do mundo.

“Essas duas culturas dão uma dimensão da relevância que a celulose deveria ter para o Brasil e demonstram a importância que as nanoceluloses terão no futuro internamente”, avalia. Carvalho diz que países com potencial muito menor de produção da celulose têm despendido grandes esforços no desenvolvimento estratégico de alternativas ao petróleo como fonte, ou seja, de matéria-prima básica, “Um dos novos materiais que tem tido grande atenção são as nanoceluloses”, reforça.

Além de Henriette Azeredo, Caio Otoni, e Antonio Carvalho, coordenadores, o evento tem o apoio de Luiz Mattoso, da Embrapa Instrumentação, e Watson Loh, da Universidade de Campinas (Unicamp).

 

Por Joana Silva, da Embrapa Instrumentação
Com o apoio da EESC-USP e da UFSCar