Simulação poderá prever fissuras e trincas em materiais, aumentando a segurança
A mecânica da fratura é uma área que estuda todos os processos que podem levar ao aparecimento e propagação de fissuras ou trincas em materiais e estruturas, como as de um avião ou de uma ponte. Para identificar corretamente como essas fissuras podem prejudicar uma estrutura, pesquisadores da Escola de Engenharia da USP em São Carlos (EESC) desenvolveram uma ferramenta computacional que simula problemas de mecânica da fratura.
O método possibilita estimar o tempo que as trincas levarão para atingir níveis críticos, permitindo a adoção de medidas que previnam o seu aparecimento. Além do potencial de tornar mais simples a realização de simulações de fissuras, a técnica poderá ser incorporada ao projeto de estruturas que possuam componentes mais sujeitos a falhas, aumentando a segurança do produto final. As conclusões da pesquisa estão reunidas em um pôster premiado no Congresso Mundial de Mecânica Computacional (WCCM), realizado em julho no Canadá.
“A análise do comportamento de uma estrutura com a existência de fissuras é importante, pois a propagação irrestrita de trincas pode levar à perda da sua funcionalidade estrutural ou até mesmo à ruptura total, com alguns casos, como o de rupturas completas em navios e aviões, já observados no século passado”, aponta ao Jornal da USP o engenheiro Murilo Henrique Campana Bento, pós-doutorando da EESC, que realizou a pesquisa. “Nos projetos, busca-se, quando possível, minimizar o surgimento de trincas, mas também prever o tempo que irá levar para que tais trincas atinjam tamanhos críticos. Tudo isso é possível de ser previsto apenas com uma ferramenta numérico-computacional precisa para a simulação de problemas da mecânica da fratura”.
Simulação de problemas
“Desde o início do doutorado, nosso interesse principal de pesquisa estava voltado ao desenvolvimento dessa ferramenta. Essas simulações são importantes para que possamos analisar, de modo preciso e com custo computacional viável, a integridade estrutural dos mais diversos tipos de estruturas”, relata o pesquisador. “Para obter um bom equilíbrio entre precisão numérica e custo computacional, o foco final do doutorado foi adaptar o uso do Método dos Elementos Finitos Generalizados , ou Generalized/eXtended Finite Element Method , tido desde o início dos anos 2000 como um método numérico bastante preciso e eficiente para simulação de problemas”.
Bento ressalta a necessidade de um método numérico, que dê respostas aproximadas para um problema. Para o pesquisador, soluções exatas ainda são de difícil obtenção para a grande maioria dos problemas práticos de engenharia. “O MEFG é uma extensão, ou generalização, do Método dos Elementos Finitos (MEF), criado na década de 1960 e que vem sendo, desde então, altamente usado nas mais diversas áreas das engenharias e ciências aplicadas”, afirma. “Ambos os métodos trabalham dividindo o problema em pequenas partes, conhecidas como elementos finitos, associando as variáveis relacionadas a cada um deles usando funções base”.
O pesquisador explica que essas funções servem para aproximar algumas variáveis de interesse sobre cada elemento finito. “Após isso, tanto no MEF quanto no MEFG, todos os elementos finitos usados para modelar a estrutura são acoplados para obter respostas globais para essas mesmas variáveis, como por exemplo, deslocamentos, deformações e tensões”, observa. “Elas são úteis para verificar como a estrutura responde a solicitações externas que são a ela aplicadas. O objetivo central é, portanto, avaliar de modo preciso e eficiente tais respostas. No fim, é a partir dessas variáveis, obtidas computacionalmente pelo MEFG, que nós conseguimos prever como as trincas irão se propagar no problema em questão”.
“A diferença principal entre os dois métodos é que o MEFG permite o uso de novas funções base, apropriadas para o problema em análise, o que permitiu, no início dos anos 2000, diversas vantagens para solucionar problemas de grande interesse prático, como os de mecânica da fratura”, afirma o pesquisador. “Nesta área estão as principais aplicações do método, analisadas pelos grupos de pesquisa que faço parte e que foram foco do doutorado, porém ele também é empregado em problemas contendo interfaces materiais complexas, importantes na análise de integridade estrutural em materiais heterogêneos, que são o tema central do pós-doutorado”.
Redução de erros
De acordo com Bento, os desdobramentos da pesquisa tiveram como objetivo central o desenvolvimento de uma ferramenta numérico-computacional que fosse capaz de gerar automaticamente soluções com erro menor que um valor pré-especificado pelo usuário. “Na prática, isso melhora consideravelmente o uso do método, pois retira a necessidade da definição de diversos parâmetros do problema em estudo e que exigiriam conhecimentos aprofundados em mecânica da fratura”, observa. “Também não é preciso analisar repetidas vezes o mesmo problema até obter uma solução suficientemente boa”.
Na pesquisa, o engenheiro propõe algumas técnicas que subsidiam o desenvolvimento da ferramenta. “Entre elas estão a elaboração de uma nova fórmula para aplicação do MEFG, capaz de resolver de modo bastante preciso problemas da mecânica da fratura, além de um estimador de erro a posteriori, computacionalmente eficiente e desenvolvido com foco também em problemas contendo fraturas”, descreve. “Todas as técnicas vêm sendo verificadas a partir de problemas clássicos, cuja solução é conhecida de modo analítico ou a partir de referências numéricas obtidas pelo nosso grupo de pesquisa ou por trabalhos encontrados na literatura”.
“Vejo como potenciais aplicações do trabalho a simplificação das simulações de problemas da mecânica da fratura, tornando-as mais acessíveis do ponto de vista prático, além da possível integração de tais procedimentos nas etapas de projeto de diversos componentes estruturais que possam estar suscetíveis a falhas devidas ao surgimento e propagação de fissuras’, destaca o pesquisador. “Espera-se, com isso, que o resultado final seja o projeto e o desenvolvimento de estruturas mais econômicas e seguras”.
A pesquisa teve a orientação dos professores Sergio Persival Baroncini Proença, do Departamento de Engenharia de Estruturas da EESC, e Carlos Armando Duarte, do Department of Civil & Environmental Engineering da University of Illinois Urbana-Champaign (Estados Unidos). As conclusões do estudo foram reunidas em um pôster apresentado no Congresso Mundial de Mecânica Computacional (WCCM), realizado no último mês de julho em Vancouver (Canadá), que recebeu o prêmio de melhor pôster na área de Mecânica dos Sólidos Computacional. O trabalho de doutorado foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e os estudos de pós-doutorado tem apoio do Southern Office of Aerospace Research and Development – Air Force Office of Scientific Research (SOARD-AFOSR-USA), dos Estados Unidos.
Mais informações: m.bento@usp.br, com Murilo Henrique Campana Bento
Texto: Júlio Bernardes Arte: Joyce Tenório, Jornal da USP