Pesquisadores da EESC desenvolvem soluções para Estimulação Cerebral Profunda
22 de agosto de 2024
Atualizado: 04 de setembro de 2024
Assessoria de Comunicação

Com o avanço da tecnologia e da ciência, cada vez mais a engenharia é utilizada como importante instrumento de contribuição na área médica. Um exemplo recente de aplicação médica vem do Departamento de Engenharia Elétrica (SEL) da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), onde pesquisadores desenvolveram um sistema completo de Estimulação Cerebral Profunda (DBS, do inglês Deep Brain Stimulation), utilizado como parte de terapia para patologias como dor crônica, doença de Parkinson, tremores, entre outras. Seu grande diferencial é o uso de componentes comerciais de baixo custo e a prototipagem de um microdispositivo contendo os módulos de aquisição de biopotenciais e neuroestimulação. O estudo conta com a colaboração de pesquisadores da Universidade do Minho, de Portugal.

A Estimulação Cerebral Profunda (DBS) é um procedimento cirúrgico que envolve a implantação de um dispositivo médico denominado de neuroestimulador, que envia impulsos suaves para zonas específicas do cérebro por meio de eletrodos implantados. A corrente elétrica utilizada é muito baixa e é injetada em pontos estratégicos do cérebro, que são, na sua maioria, profundos.

Prof. João Paulo do Carmo com o microdispositivo. Foto: Divulgação

O neuroestimulador, normalmente implantado no peito, é um equipamento com dimensões não maiores que uma caixa de fósforos e possui uma bateria acoplada para prover alimentação e garantir a operação. O procedimento foi autorizado pela FDA (Food and Drug Administration), a agência americana similar à nossa ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), em 1997, em princípio para o tratamento da doença de Parkinson.

Após ter sido comprovada sua eficácia, seu uso foi autorizado e ampliado também para o alívio de sintomas associados a perturbações neurológicas e dos movimentos que não são obtidos com outras terapias, como dor crônica, doença de Parkinson, distonia, obesidade mórbida, síndrome de Tourette, tremor essencial e o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC).

Contudo, grande parte dos sistemas DBS comerciais possuem um limitador. Quem explica é João Paulo Pereira do Carmo, professor e pesquisador do Grupo de Metamaterias, Microondas e Óptica (Gmeta), do Departamento de Engenharia Elétrica da EESC, e coordenador do estudo. “A maioria permite gerar um conjunto muito limitado de formas de onda pré-definidas, sobretudo com a forma retangular. Não é possível gerar outros tipos de ondas nem ajustar dinamicamente os parâmetros de estimulação durante o tratamento, e muito menos adaptar a tecnologia a mudanças nos estados cerebrais. Além disso, a maioria dos sistemas de DBS disponíveis só consegue prover sinais de corrente constante e os poucos que permitem ajustar a amplitude da corrente não deixam que isso seja feito por software. Essas limitações nos motivaram ao estudo de desenvolvimento de um sistema mais avançado”.

DBS em malha aberta e em malha fechada

Para compreender a relevância do trabalho dos pesquisadores da EESC, é necessário aprofundar um pouco mais o entendimento acerca da Estimulação Cerebral Profunda (DBS). Existem dois paradigmas para sua classificação: o DBS em malha aberta (Open-Loop DBS, também conhecido como DBS convencional) e o DBS em malha fechada (Closed-Loop DBS, também conhecido como DBS adaptativo).

“No caso do DBS de malha aberta, um neurologista ajusta manualmente os parâmetros de estimulação a cada 3-12 meses após a implantação. Aqui, apenas se injeta pulsos elétricos para estimular determinadas regiões do cérebro. Todavia, existem casos em que a terapia é ineficaz ou causa habituação e, portanto, redução da eficácia”, afirma o docente e pesquisador da EESC.

“Já no caso do DBS em malha fechada, a programação dos parâmetros de estimulação é realizada automaticamente, com base nos biomarcadores medidos e que podem possuir naturezas diversas, como bioelétrica, psicológica, bioquímica, entre outras. O comportamento dos biomarcadores são indicadores imprescindíveis no DBS em malha fechada porque com base na doença a tratar ajudam a reconfigurar e adaptar os sinais usados na neuroestimulação. A grande vantagem é que, ao combinar aquisição de sinais neuronais com neuroestimulação elétrica, permite que a terapia se adapte ao longo do tempo e que um protocolo específico para cada doente possa ser definido, personalizando o tratamento”, detalha Carmo.

No estudo do Departamento de Engenharia Elétrica da EESC, os pesquisadores desenvolveram um sistema completo de DBS em malha fechada usando componentes comerciais de baixo custo e de um microdispositivo em CMOS de 65nm da TSMC contendo os módulos de aquisição de biopotenciais e neuroestimulação para futura produção de uma solução 100% integrada para DBS em malha fechada.

No processo de desenvolvimento do sistema, os pesquisadores contaram com a colaboração do neurologista e professor da Faculdade de Medicina da USP, Erich Talamoni Fonoff, e de Eduardo Colombari, professor do Departamento de Fisiologia e Patologia da Faculdade de Odontologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara.

Desenvolvimento do sistema feito no departamento da EESC-USP. Foto: Divulgação

Resultados promissores

Os estudos, publicados recentemente na Electronics e no Journal of Low Power Electronics and Applications, conceituados periódicos científicos, avançam e já trazem resultados promissores, na avaliação de Carmo.

“Conseguimos desenvolver um microdispositivo e um sistema completo de DBS em malha fechada. Seguimos no avanço da pesquisa que, para além de todas as suas contribuições para a área médica, também trazem benefícios na questão socioeconômica, não só tornando o país independente da importação destes dispositivos médicos, como até oferecendo o sistema globalmente, incrementando a utilização da Estimulação Cerebral Profunda em malha fechada”.

Para isso acontecer, porém, o projeto segue o progresso. De acordo com Carmo, entre os próximos passos a serem dados na pesquisa estão a realização de testes in-vivo em animais; o refinamento dos protótipos que ainda se encontram no nível de prontidão tecnológica TRL 4 (Technology Readiness Level 4) ou seja, de tecnologia validada ao nível laboratorial (TRL 4: technology validated in lab); e a integração de um microdispositivo CMOS completo de CLDBS para implantação.

“A engenharia tem conexões muito fortes com a área médica, em especial com dispositivos médicos, e pode contribuir decisivamente no desenvolvimento de soluções que tenham como foco a evolução de terapias e tratamentos para pacientes. A Engenharia Biomédica da EESC tem formado profissionais capazes de fazer a diferença e incrementar parcerias relevantes ligadas ao setor médico. O nosso estudo é um exemplo do potencial da sinergia existente entre essas áreas”, conclui Carmo.

A pesquisa foi financiada pela Fapesp, por meio do projeto com a referência 2019/05248-7.

 

Texto: Denis Dana (Ex-libris) para a Assessoria de Comunicação


Veja também