Estamos no mês de Outubro Rosa, quando são realizadas grandes campanhas para a conscientização feminina acerca da importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama, e a Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP) aproveita a data para destacar o relevante trabalho desenvolvido no Laboratório de Análise e Processamento de Imagens Médicas e Odontológicas (LAPIMO), localizado no Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação (SEL). Ali, são desenvolvidas, testadas e aplicadas tecnologias computacionais direcionadas à qualidade de imagem para diagnóstico em mamografia digital, item fundamental neste cuidado feminino.
À frente do LAPIMO há mais de 20 anos, Homero Schiabel, professor do SEL, detalha o trabalho dos alunos e pesquisadores que atuam no laboratório. “Nossa linha mestra de pesquisa busca desenvolver e testar técnicas de processamento digital de imagens, incluindo trabalhos que envolvem inteligência artificial, para identificar e auxiliar a interpretação de possíveis estruturas de interesse clínico nas imagens mamográficas, usando também informações relativas às características de qualidade registradas em testes específicos nos mamógrafos utilizados para sua aquisição”.
Nessa linha de pesquisa, o que o grupo tem de mais recente corresponde a dois aspectos: o desenvolvimento, testes de campo e avaliações comparativas de objetos simuladores da mama voltados à composição de uma base de dados a ser usada para pesquisas na área de processamento de imagens; e o desenvolvimento de técnicas específicas visando buscar a padronização do contraste das diversas mamografias independentemente do equipamento utilizado na aquisição, utilizando, para tanto, os objetos simuladores desenvolvidos no primeiro aspecto.
Enquanto esses pontos de pesquisa vão sendo trabalhados, Schiabel ressalta a importância desse tipo de produção científica realizada na EESC para a contribuição na assertividade e qualidade dos diagnósticos. “A linha de esquemas computacionais de auxílio ao diagnóstico, mais conhecidos por esquemas CAD (de Computer-aided Diagnosis), começou a ser desenvolvida há mais de 20 anos. Como um dos resultados mais importantes, produziu um esquema completo de processamento de imagens, que envolve desde a etapa de aquisição da imagem mamográfica digital até a indicação do grau de suspeita de possíveis achados de interesse clínico, como nódulos e microcalcificações, passando por fases em que são aplicadas técnicas específicas para melhoria da qualidade daquela imagem baseadas em dados obtidos de testes de controle de qualidade do equipamento que as produziu”.
Esse esquema (CADx LAPIMO), conta o professor, está atualmente sob testes práticos junto a profissionais da área, para verificação qualitativa e quantitativa da sua influência no laudo médico final de cada caso.
“Uma versão mais básica desse esquema, o “CADx Guiado”, é um aplicativo simples que indica ao radiologista, a partir da demarcação de uma região de interesse em torno de um nódulo na imagem sob investigação, se aquela estrutura é ou não suspeita, o que pode ajudar na opinião final do médico quanto à necessidade de investigação mais aprofundada do caso”.
Simulações de mama real
Paralelamente a essa linha de pesquisa, no LAPIMO também têm sido elaboradas placas baseadas em filmes de PVC e parafina, para simular a mama real, possibilitando a colocação de estruturas que simulam nódulos e microcalcificações em posições e composições totalmente aleatórias, assim como ocorre na situação real.
“A finalidade desse tipo de trabalho é utilizar as imagens geradas da exposição desses simuladores para criar uma base de dados/imagens com todas as informações conhecidas de cada caso, para favorecer os testes de desenvolvimento de qualquer pesquisador nessa linha de processamento de imagens. Isso, obviamente, após uma importante etapa, atualmente em fase final de análise, que envolve a comparação dessas imagens com as de mamas reais, seja do ponto de vista físico como do ponto de vista da percepção visual, para validação clínica das imagens simuladas, com avaliações de diversos profissionais da área radiológica”, explica o docente e coordenador do laboratório.
De acordo com Schiabel, “os resultados preliminares dos testes mais recentes com o emprego do esquema CAD-LAPIMO e análises visuais dos médicos, demonstraram capacidade de influenciar positivamente a opinião final desses profissionais, aumentando a taxa de sensibilidade, ou seja, com a identificação de casos realmente suspeitos, e de especificidade, com a identificação correta de casos não suspeitos, final comparada com sua opinião inicial”.
Maior precisão na análise
Ao considerar pesquisas em desenvolvimento tanto com apoio da FAPESP como da Gerência de Ensino e Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal de São Carlos (HU-UFSCar), com quem a equipe do LAPIMO mantém trabalho colaborativo, a expectativa atual é que, mediante o desenvolvimento de técnica específica que envolve utilização de dados obtidos de análise de qualidade das placas de aquisição de imagem dos atuais mamógrafos digitais, seja possível obter um contraste otimizado das mamografias geradas por diferentes tipos de equipamentos.
“Trata-se de uma contribuição relevante da engenharia, uma vez que favorecerá não apenas um aumento de eficiência na aplicação do esquema CAD, melhorando sua performance por desenvolvimento de novas metodologias de inteligência artificial, o que vai possibilitar maior precisão na análise do grau de suspeita de cada caso, auxiliando, por consequência, o aumento na taxa de precisão diagnóstica do profissional médico que utilizar esse esquema, na prática”, diz o docente.
Para que a expectativa se concretize, o grupo também mantém contato permanente com pesquisadores de outros centros e com alguns médicos colaboradores tanto do HU-UFSCar, como da Santa Casa de São Carlos e do Hospital São Paulo (HSP), além do grupo de Imagens Médicas da Universidade Federal de Uberlândia, com pessoal da Física Médica da FFCLRP/USP em Ribeirão Preto, e até mesmo com pesquisadores da Universidade da Pensilvânia e do Politécnico de Setúbal, em Portugal.
Ao falar dessa relação entre engenharia e medicina, o professor da EESC destaca a interconexão existente entre as áreas. “Todos os desenvolvimentos dos equipamentos mais modernos de imagem médica passam pela atuação de engenheiros e físicos biomédicos, com mais ênfase nos últimos 50 anos. Nesse período, a sobrevida, cura ou auxílio à sobrevivência de inúmeros seres humanos só foi possível por conta dessa simbiose”.
Justamente por esse entrelaçamento entre tecnologia e tratamento em saúde, Schiabel coloca como fundamental “uma formação profissional com significativa abrangência de temas, abordagens e recursos de ensino, de forma a permitir que a criatividade e o embasamento científico e filosófico dirijam todos os desenvolvimentos - como esses realizados no LAPIMO.”
O Dr. Alexandre Macchetti, mastologista que também participa do projeto de desenvolvimento de CADx em Mamografias do LAPIMO, concorda, vê com ótimos olhos a interação entre a engenharia e medicina e exalta a relevância da produção de conhecimento e de tecnologia, especialmente em sua área da saúde.
“É impossível imaginar uma medicina de boa qualidade sem as constantes inovações tecnológicas que a engenharia desenvolveu nas últimas duas décadas. Especificamente no caso do câncer de mama, o desenvolvimento de softwares de auxílio no diagnóstico de pequenos tumores nas mamografias digitais contribui em muito para diagnóstico precoce e, consequentemente, para o oferecimento das melhores técnicas cirúrgicas. Basta lembrar que nenhum tratamento tem um impacto tão significativo quanto a detecção precoce com uma mamografia anual a partir dos 40 anos, de modo que essa detecção passa essencialmente pela avaliação radiológica da mama”, ressalta o mastologista.
Para Macchetti, tão importante quanto seguir os trabalhos científicos é aproveitar o Outubro Rosa para ampliar esse movimento de conscientização. “A ciência tem evoluído, mas é fundamental despertar na sociedade a importância da detecção precoce do câncer de mama através de exames radiológicos anuais, além da incorporação de hábitos que sabidamente diminuem o risco do câncer de mama, como a alimentação saudável, amamentação e atividade física, bem como desmistificar o tratamento do câncer de mama que, com auxílio de técnicas de cirurgia plástica, mutilam pouquíssimo o corpo das mulheres.”
“Ano após ano, as taxas de detecção de tumores iniciais aumentam levando a tratamentos menos agressivos e maior chance de cura e, no caso do câncer de mama, a sobrevida global das pacientes e as taxas de cirurgias conservadoras da mama estão diretamente relacionadas à descoberta de tumores cada vez menores. Assim, a conscientização constante sobre a importância da realização de exames anuais inicialmente com mamografia é essencial para este objetivo”, conclui o mastologista.
Denis Dana, para a Assessoria de Comunicação da EESC