17/07/2023
As variações de temperatura entre as cinco regiões brasileiras afetam a eficiência do piriproxifeno no controle de larvas de Aedes aegypti, mosquito transmissor do vírus da dengue, zika e chikungunya. A conclusão é apresentada em pesquisa da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, que, a partir de simulações em laboratório, observou uma menor mortalidade em temperaturas maiores, mesmo com o aumento da concentração do inseticida, aplicado principalmente em criadouros que não podem ser destruídos (como caixas d’água), impedindo o desenvolvimento do mosquito adulto. O trabalho indica a necessidade de monitorar a eficiência do controle químico nos programas de prevenção do aumento da população do Aedes aegypti e das doenças causadas por vírus transmitidos pelo inseto.
“Sabemos que a temperatura é um fator muito determinante na biologia do mosquito e isso faz toda diferença na dinâmica de transmissão dos vírus que causam as doenças que tanto nos preocupam”, explica ao Jornal da USP a pesquisadora Lídia Moura, autora do trabalho. “Cabe destacar as populações que se tornam resistentes aos inseticidas aplicados para os fins de controle populacional, o que justifica a diversidade de compostos que existem atualmente. Um dos larvicidas desta variedade é o piriproxifeno, um análogo do hormônio juvenil que age no desenvolvimento imaturo e previne a emergência do mosquito adulto.”
Lídia Moura - Foto: Arquivo pessoal |
No laboratório, foram simuladas as temperaturas máximas e mínimas padronizadas para cada região brasileira, a fim de se aproximar das flutuações diárias de temperatura, considerando os períodos entre a primavera e o verão.
“Foram monitoradas as mortalidades das larvas em cada concentração nas temperaturas testadas. Aquelas larvas que sobreviveram ao composto piriproxifeno e tornaram-se adultos, foram observadas até a morte dos mosquitos para se avaliar a longevidade”, relata a pesquisadora. “Também analisamos o tamanho e a forma da asa, e as respostas de assimetria entre asas direitas e esquerdas de mosquitos machos e fêmeas.” Os testes foram realizados no Laboratório de Ecologia de Ambientes Aquáticos (LEAA) do Departamento de Engenharia Hidráulica e Saneamento da EESC.
Nas temperaturas para as regiões mais frias (Sul e Sudeste) as larvas do mosquito foram mais sensíveis e a eficiência do produto no controle foi alta em concentrações mais baixas. “Nas regiões cujas temperaturas são mais altas, Centro-Oeste e Norte, as larvas se desenvolveram mais rapidamente e houve mais mosquitos sobreviventes mesmo em concentrações mais altas do larvicida”, aponta Lídia Moura. “De forma comparativa, para se ter a mesma eficiência, ou seja, ao menos 50% das larvas mortas, é necessária a aplicação de concentração duas vezes maior nos ambientes em que a temperatura é mais quente.”
Criação de Aedes aegypti - Foto: cedida pela pesquisadora |
Piriproxifeno e amostras para temperaturas diferentes - Foto: cedida pela pesquisadora |
Mosquitos no experimento de longevidade - Foto: cedida pela pesquisadora |
“Observamos que as asas das fêmeas foram significativamente menores e mais frequentemente assimétricas quando sobreviventes ao larvicida, padrão não observado para os mosquitos machos. A assimetria e o menor tamanho das asas são indicadores de estresse ambiental, o que tem relação com o efeito que o piriproxifeno pode ter causado. Asas menores significam mosquitos menores”, descreve a pesquisadora. “O tamanho do mosquito, especialmente da fêmea, é associado ao volume de sangue que ele pode ingerir, sua longevidade, fertilidade e fecundidade, parâmetros importantes no cenário epidemiológico. Uma fêmea menor pode se alimentar de menor volume de sangue, no entanto ela faz isso com mais frequência, o que pode significar mais pessoas em risco de se contaminarem eventualmente por um vírus, por exemplo.”
De acordo com Lídia Moura, o controle populacional do mosquito possui diversos desafios. “Seu sucesso depende do atendimento adequado aos serviços de saneamento para a população, da cooperação da população junto ao poder público nas ações de destruição dos criadouros, na identificação dos potenciais criadouros, e da própria biologia do mosquito, considerando que se trata de uma espécie altamente adaptada ao ambiente urbano e muito oportunista”, afirma. “Nesse sentido, um dos grandes problemas é o desenvolvimento de populações de mosquitos resistentes aos inseticidas. Desse modo, quanto mais soubermos sobre as influências dos parâmetros ambientais na eficiência dos compostos, mais nos aproximamos de um controle eficiente no ponto de vista do controle químico, quando há aplicação de inseticidas.”
“Considerando a complexidade de fatores envolvidos na dinâmica de transmissão, é imprescindível monitorar a suscetibilidade das populações locais de Aedes aegypti aos compostos que serão utilizados. Isso é muito importante a fim de evitar que as populações do mosquito se tornem resistentes aos inseticidas aplicados”, ressalta a pesquisadora. “Incentivar e coordenar programas de monitoramento é fundamental para manter as aplicações dos compostos sempre com alta eficiência para a prevenção do aumento dos mosquitos adultos e consequentemente para a prevenção de epidemias.”
A pesquisa foi orientada pelo professor Juliano José Corbi, do Departamento de Hidráulica e Saneamento da EESC, com financiamento da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). As populações de Aedes aegypti usadas nos experimentos foram gentilmente doadas pelo laboratório ASR (Analytical and Scientific Research Lab) localizado na cidade de Charqueada (interior de São Paulo). Também colaboram com o estudo os pesquisadores Driélen Conceição e Ivan Bortoli.
Mais informações: e-mail lidiamoura@alumni.usp.br, com Lídia Moura
Texto: Júlio Bernardes
Arte: Joyce Tenório