Nova técnica de holografia tridimensional é testada com resultados promissores
Imagine poder criar estruturas de luz tridimensionais capazes de retratar objetos e cenas realistas que podem ser vistos por usuários sob praticamente qualquer ângulo. Embora possa soar ficção científica, com larga exploração em filmes futuristas (quem não se lembra da princesa Leia, de Star Wars, em um projetor?), pesquisadores vinculados ao grupo liderado pelo professor Leonardo André Ambrosio, do Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP), em colaboração com cientistas e engenheiros da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e da Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas (SEAS) da Universidade de Harvard (EUA), acabam de trazer a ideia mais próxima da realidade através de um método inovador e promissor em holografia tridimensional.
O trabalho, publicado no último dia 10 de abril na renomada revista científica Nature Photonics, é o primeiro a propor o uso de filamentos de luz altamente controláveis que podem ser cascateados paralelamente entre si, compondo padrões espaciais bidimensionais – folhas de luz – que são subsequentemente empilhados compondo cenas tridimensionais. “O grande diferencial da proposta reside no fato de que, ao contrário das técnicas tradicionais, aqui a luz é arranjada em planos perpendiculares, e não paralelos, ao do display óptico”, explica Ambrosio.
Os filamentos de luz, conhecidos na literatura como ‘ondas congeladas’ (do inglês, frozen waves), baseiam-se em feixes especiais (conhecidos como feixes de Bessel) para gerar padrões de intensidade arbitrários na direção de propagação. Tais feixes possuem a capacidade de resistirem aos efeitos da difração por longas distâncias, sendo inclusive capazes de se autorreconstruírem após passarem por um obstáculo.
Segundo o professor Michel Zamboni Rached, da FEEC/Unicamp, coautor do trabalho e formulador do arcabouço teórico das frozen waves, “aproveitando-se das propriedades não difrativas dos feixes de Bessel, as frozen waves permitem estruturar a luz em escalas espaciais micrométricas, milimétricas e centimétricas, ao longo do próprio eixo de propagação, e já vinham sendo explorados em aplicações específicas, tais como em aprisionamento óptico de partículas micrométricas e guiamento de átomos. Estender o conceito para duas e três dimensões é realmente um passo importante e necessário para alavancar novas aplicações em óptica e fotônica”, complementa Rached.
O conceito teórico das folhas de luz, originalmente apresentado pelo grupo do professor Ambrósio, da EESC-USP, adiciona um grau de liberdade a mais e, segundo o próprio pesquisador, “abre uma ampla frente de novas pesquisas em imagens e impressão 2D e 3D, micromanipulação de partículas, displays 3D e, claro, em holografia, foco da presente pesquisa. Através da aproximação controlada de filamentos de luz, pode-se conceber cenas espacialmente complexas e de alta resolução, não apenas monocromáticas, mas também policromáticas, por exemplo, usando sistemas de laser RGB”, compara o professor da EESC.
Além disso, mesmo em materiais absorventes, onde a luz convencionalmente sofreria atenuação durante a propagação, é possível, até certo ponto, manter as cenas tridimensionais desejadas sem perda de resolução ou nitidez. “As folhas de luz podem ser utilizadas em pinças ópticas holográficas, com a vantagem de permitir o controle dinâmico dos pontos de aprisionamento em múltiplos planos, todos paralelos entre si e ao eixo de propagação”, informa o estudante de doutorado Vinicius Soares de Angelis, da EESC.
Trata-se de uma nova tecnologia que não se limita à formação de padrões de intensidade constantes no espaço. Nas palavras do estudante de mestrado Jhonas Olivati de Sarro, também ligado à EESC, “ao alterarmos o padrão da luz incidente com cadência e varredura adequadas, é possível dar a ideia de movimento à cena e criar vídeos de luz tridimensionais, sem abrir mão das propriedades dos feixes não difrativos”.
Uma grande desvantagem dos métodos tradicionais em holografia é a perda de resolução axial das imagens geradas. Isso ocorre porque a luz é organizada em planos paralelos e que se distanciam entre si à medida que nos afastamos do observador. Isso faz com que as camadas mais distantes do usuário se tornam mais difíceis de serem vistas. A nova técnica, todavia, supera esta limitação e fornece sensação contínua de profundidade porque permite ao usuário enxergar toda a extensão das folhas de luz.
“Ao fazermos isso, resolvemos o problema de percepção de profundidade que tradicionalmente afeta a holografia”, afirma Ahmed Dorrah, pós-doutorando e responsável por conduzir os experimentos junto ao laboratório de óptica do grupo do professor Federico Capasso, da SEAS (Harvard).
“Esta pesquisa aproveita de forma inovadora os moduladores espaciais de luz , uma tecnologia amplamente utilizada e comercialmente estabelecida, para moldar a luz à medida que ela se propaga, criando uma classe inteiramente nova de hologramas”, lembrou o professor Capasso, que liderou a equipe na montagem e realização de todos os testes práticos. “Prevejo que este método de holografia terá impacto em realidade virtual e aumentada, imagens biológicas, displays volumétricos, interações humano-computador, ferramentas educacionais interativas e muito mais”, prevê o pesquisador de Harvard.
As tratativas para a proteção da propriedade intelectual já foram iniciadas e a equipe envolvida na pesquisa agora busca oportunidades para exploração comercial. A lista de autores do estudo inclui o professor Leonardo André Ambrosio, o estudante de doutorado Vinicius Soares de Angelis e o estudante de mestrado Jhonas Olivati de Sarro, todos da EESC/USP; o professor Michel Zamboni Rached, da FEEC/Unicamp; o professor Federico Capasso, o pós-doutorando Ahmed Dorrah e o estudante de graduação Priyanuj Bordoloi, todos da SEAS/Universidade de Harvard.
O trabalho foi financiado pelas seguintes entidades: Natural Sciences and Engineering Research Council of Canada; Office of Naval Research, com vínculo ao programa MURI; Air Force Office of Scientific Research; Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP); e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Por Alexandre Milanetti / Ex-Libris